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I Seminário Cosmopolíticas do cuidado no fim-do-mundo

Faculdade de Saúde Pública, USP

Assista aqui os vídeos das mesas do dia 28 de Setembro de 2023

Assista aqui os vídeos das mesas do dia 29 de Setembro de 2023

Acesse aqui as bios des participantes e organizadores

ABRINDO OS TRABALHOS!

O que é que a mito-história de um povo indígena, recontada por mulheres em relação, tem a ver com o enfrentamento de uma epidemia, uma pandemia ou da violência cotidiana? O que tudo isso pode ensinar para as práticas de cuidado e as lógicas de formação da saúde coletiva?

O que é que a demarcação continua de terras indígenas tem a ver com gênero e com aprender a preparar-se para as próximas pandemias?

O que podemos aprender das fofocas cosmológicas e políticas sobre uma demiurga ancestral ou sobre uma mulher de cabaré ou sobre a ameaça dos Xapiris órfãos, se queremos aprender a ver, a respeitar e a conectar com formas de cuidar, de lutar, de existir no mundo e, então, de produzir aquilo que entendemos por “saúde”? 

O que é devemos aprender sobre cuidado e política, sobre respeito e sobrevivência, conhecendo melhor, dançando e suando com bichas trans e travestis de terreiros, noites e ruas, de megalópoles e cidades transfronteiriças? O que devemos aprender, como profissionais da saúde, quando quem efetiva os cuidados de uma “vulnerável” são suas amigas “vulneráveis” e perigosas, entidades espirituais e ensinamentos de travestis ancestrais? 

O que é que prostitutas, putas, trabalhadoras sexuais, tem a ensinar à saúde coletiva? O que podemos aprender delas sobre cuidar, sobre adoecer, sobre morrer e não morrer, sobre gozar e trabalhar, sobre governar e proteger, sobre reconhecimento profissional, em tempos catastróficos e violentos? 

Será que, por acaso, o campo da saúde, seus intelectuais, agentes e operadores, têm algo a aprender sobre o racismo intrínseco das instituições modernas? E será que é possível que pessoas pretas, meninas pretas, bichas pretas, mulheres putas pretas pobres, presas e parentas, possam nos ensinar sobre a experiência do racismo, inclusive operada pela saúde, suas instituições e agentes? 

O que é que conversar com agricultoras urbanas, indígenas, rurais, tradicionais, migrantes, enquanto desconstruímos nosso corpo tentando trabalhar com elas a terra que vai, pode nos ensinar sobre o céu que cai e sobre as águas que brotam? O que podemos imaginar de aprender se imaginamos apreender São Paulo como uma cidade construída nas ruinas de um mundo extinto por nossos pais? 

O que é que podemos aprender de mães, esposas, namoradas de presos e outras mulheres vítimas do sistema prisional sobre os cosmos e galáxias que nunca jamais couberam no Universo da universalidade, na universalidade da Ciência, do Direito e da Democracia? O que elas, suas lutas, movimentos e redes nos sugerem e interpelam se pensamos cuidados, gênero, segurança, direito, alimentação, “futuro”? 

E como aprender delas? Como? Através de quais recursos, de quais estratégias, de quais disposições? O que precisa ser quebrado, destruído, retomado, ocupado, e reconstruído, plantado, cultivado, germinado, estimulado, proliferado, mamado, chupado e adotado, para que isso seja possível? 

O que aconteceria se hoje, aqui na nossa casa, no nosso bairro, na iminência do nosso filho adoecido, a Medicina, com M maiúscula de Macho, Mulher e Moderno, deixasse de existir, com todas suas instituições, corpos, poderes, dinheiros e “atos”? 

Imaginar uma saúde (sistemas e campos, atores e arranjos) mais cosmopolítica que universal, mais interessada em retomadas pluriversais que no monocultivo colonial biomédico, mais disponível a obedecer do que a mandar, a aprender do que a ensinar, a dar do que a ganhar… a regar do que a cortar, é parte das “coreografias do impossível”? E como dançamos e fazemos essa coreografia ocupar a aridez, a iluminação, a quadrícula, a higiene? 

O que um (im)possível sistema de saúde pode aprender de quem sempre foi impossível e sendo impossível está hoje aqui? O que pode aprender de quem imaginou como radicalmente externo a ele? Como necessitado dele? Como externo à Luz e à Razão? Como excessivamente afetado, emotivo, emocional, agressivo, lúbrico, descontrolado, imaturo, caótico, irresponsável? Como poderíamos imaginar um sistema pluriversal de saúde, que então não seria Uno, com seu campo intelectual, seus números, suas técnicas e seus sistemas de gestão, desde a falência do Mundo-tal-qual-o-conhecemos? Desde a contestação gradualmente radical do racismo e da disposição colonial? Como começar a imaginar a (im)possibilidade da sáude antirracista e anticolonial? De levar a sério a multiplicidade de mundos, de vidas, de saberes incluindo aquelas que o campo hegemônico da saúde, desde seu enfeitiçamento moderno, só consegue ver como enfeitiçados, alienados, ignorantes, marginalizados, excluídos, doentes, etc? 

Se, como Jurema Werneck disse no ABRASCAO de 2022 referindo-se ao SUS: não podemos mais defender o indefensável… O SUS-tal-qual-o-conhecemos: como fazer dançar a coreografia impossível de um SUS defensável? Como imaginar saúdes, sistemas e campos de conhecimento e formação que, paragrafando a Elizângela, convençam os nossos textos, os nossos sonhos, as nossas necessidades de justiça decolonial? 

Como “fugir para sonhar e inserir-se para modificar” radicalmente tudo o que chamamos “saúde” (como nos ensina Conceição Evaristo)?

O projeto Cosmopolíticas do Cuidado no fim-do-mundo é uma tentativa de levar a sério essas perguntas, de tentar espaços para que essas perguntas e outras mobilizem suas implicações em nós (pessoas do campo da saúde pública e coletiva) e para tentar algumas respostas. Com toda a loucura, viagem e belicosidade contra-hegemônica que isso implica. Bem-vindes ao nosso I Seminário e Encontro de Saberes! Muito Axé, gozo e luta para todes nós! Puranga, mano! 

José Miguel Nieto Olivar

SP, 20/09/23