Por Camila Montagner
Milena Novais, obstetriz e mestre em Saúde Pública (USP) que faz parte do projeto Cosmopolíticas do Cuidado no Fim do Mundo, publicou parte da pesquisa que fez para sua dissertação de mestrado como capítulo do livro “Saberes, políticas e fluxos prisionais”. No capítulo, Novais discute trechos de entrevistas que realizou com mulheres que tiveram seu exercício da maternidade atravessado pelas violências do sistema prisional e também mulheres em cumprimento de pena nos regimes domiciliar e semiaberto.
O capítulo “Quem pode ser mãe? Cuidado, saúde e a luta pelo direito de maternar em meio às violações do sistema prisional em Manaus/AM” foi publicado na coletânea que reúne trabalhos apresentados no VII Seminário Internacional Violência e Conflitos Sociais: Relações de Poder e Segurança Pública, realizado em 2024. O trabalho de Novais abordou complexidades interseccionais (gênero, racialidades, classe etc) no que concernem as dimensões de cuidado, saúde e a luta pelo direito de maternar quando ele é afetado pelo contexto prisional na capital do Amazonas.
Para realizar a pesquisa, que tem cunho etnográfico, Novais conversou com mulheres que tiveram o exercício da maternidade afetado em decorrência do cárcere ou do terrorismo de Estado. As mulheres que participaram da pesquisa cumpriam pena em regime aberto ou semiaberto, ou eram esposas que também são mães e visitaram ou visitam unidades do sistema penitenciário, ou eram mães de pessoas em situação de cárcere.
Novais sublinha que mulheres que visitaram ou visitam o cárcere, ou tem um membro da família encarcerado, “são aprisionadas indiretamente, quando algum familiar se torna uma pessoa privada de liberdade”. Nesse sentido, formam-se relações de gênero que concernem “as mães e familiares que lutam contra a violência institucional, as quais, em geral, são pretas, pardas e pobres”.
Mulheres negras foram historicamente submetidas de modo desproporcional a processos de esterilização como política estatal de controle de populações negras no Brasil, com denúncias sobre esse processo tendo se acumulado e alcançado visibilidade nos anos 1980. Levando isso em conta, a autora defende que algumas maternidades são mais vulneráveis que outras.
“Ao passo que gestantes encarceradas experienciam uma desassistência intencional punitivista, familiares grávidas também são submetidas a dispositivos de punição”. O body scanner, por exemplo, uma tecnologia usada de modo contínuo à revista que em alguns casos chega a substituí-la, passou a não ser usado na entrada de advogadas gestantes em instalações penitenciárias e do sistema judiciário do Ceará após uma ação ser movida para isentá-las de passar pelo equipamento.

Ao mesmo tempo, familiares gestantes de pessoas presas são obrigadas a se expor aos body scanners e aparelhos de raio-X que são instalados nas unidades do sistema prisional onde seus entes encarcerados são mantidos pelo Estado quando vão visita-los. A prática, considerada vexatória por familiares visitantes, pode expor as gestantes à radiação e aos riscos decorrentes, além de ser um prolongamento das barreiras e constrangimentos impostos às visitas nas unidades do sistema prisional.
Novais acompanhou ainda a movimentação do coletivo Entre Elas: Defensoras dos Direitos Humanos. Ela destaca que movimentos que se articulam contra a violência do Estado que recai sobre encarcerados e sobreviventes do sistema carcerário são impulsionados geralmente por mães e esposas, em que se destaca a atuação de mulheres negras. “A luta coletiva dessas mulheres evidencia como as relações afetivas e de gênero são determinantes em alguns processos sociais”, afirmou a pesquisadora.
Para ler o capítulo acesse: NOVAIS, Milena. Quem pode ser mãe? Cuidado, saúde e a luta pelo direito de maternar em meio às violações do sistema prisional em Manaus/AM. In: RODRIGUES, F. J.; BIONDI, K.; PAIVA, L. F. S.; CANDOTTI, F. E GODOI, R. (orgs.). Saberes, polítiticas e fluxos prisionais. São Luis: Editora UEMA. 2024. Disponível em https://www.editorauema.uema.br/index.php/omp/catalog/view/320/240/265 Acesso em: 27 abr 2025.