Por Camila Montagner
Trabalhadoras sexuais com mais de uma década atuando na profissão e com menos experiência foram igualmente pegas de surpresa pela enchente no Rio Grande do Sul que cobriu suas casas, lotou os moteis onde faziam programa e tirou de circulação os ônibus, deixando muitas desabrigadas e outras providenciando abrigo para parentes que ficaram sem ter para onde ir. As suas roupas de trabalho, equipamentos de vídeo e foto, a mobilidade e a possibilidade de criar e encontrar pessoas queridas ficaram comprometidos pela subida da água.
Foi nesse contexto que uma campanha foi lançada pelo Núcleo de Estudos da Prostituição (NEP) de Porto Alegre mobilizando esforços e redes para auxílio às trabalhadoras sexuais. Um dos focos de atuação se deu em parceria com o projeto Cosmopolíticas do cuidado no fim do mundo, do Coletive de Pesquisa em Antropologia, Arte e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, formulando estratégias para que ajudas monetárias chegassem rapidamente a elas. Para que isso fosse viabilizado, houve o levantamento de relatos para serem colocados em circulação por meio do trabalho coletivo. A partir desses relatos, o NEP e o Cosmopolíticas do cuidado produziram o vídeo “Vida fácil” – Trabalhadoras sexuais na catástrofe gaúcha. As imagens que acompanham os áudios foram captadas por diversas pessoas, profissionais do sexo ou não, ligadas ao projeto ou não, e contribuem para a compreensão da complexidade e dificuldade daquele momento.
As trabalhadoras sexuais narram ao longo do vídeo a incerteza da volta para a casa, a interrupção do que vinham construindo com os ganhos do seu trabalho e, em muitos casos, também do fornecimento de água e energia elétrica marcaram os dias de espera enquanto a água não baixava. Com o trabalho em parte ou totalmente inviabilizado, as trabalhadoras sexuais enfrentaram ainda gargalos que mostravam a incompreensão e falta de solidariedade, mesmo parecendo óbvio que nós fortes das redes de apoio com as quais elas costumam contar sejam formados ligando as ruas onde naquele momento só era possível circular de barco.
A ajuda chegava tendo como endereço certo as mãos dos moradores de lugares que ficaram embaixo da água, sendo que mesmo as trabalhadoras sexuais que não tiveram suas casas diretamente afetadas suspenderam pelo menos parte do seu trabalho devido à inacessibilidade repentina e prolongada dos locais onde atuam essas profissionais que trabalham por conta própria, assim como outros trabalhadores e trabalhadoras que tiveram seus locais de produção de renda afetados. Em uma justificativa excludente por propósito ou desatenção, foi considerado critério suficiente para o acesso aos auxílios disponibilizados ficar sem ter como voltar para casa porque esta foi submergida, sem levar em conta que locais onde trabalhadoras sexuais atuam, mas não moram, tinham sido tomados pela enchente. A entrada da sede do NEP, localizada no Centro de Porto Alegre, ficou também inundada, e tornou-se inviável retornar ao prédio pelo período de 40 dias.
Ficha do vídeo “Vida fácil” – Trabalhadoras sexuais na catástrofe gaúcha
Protagonistas: Dinny, Fernanda, Julie, Kelly, Luana, Bianca
Imagens: Cristina Ribas, Dinny, Fernanda, Laura, Leo Caobelli, Soila Mar, Valentina Rodrigues, Vivi Fernandes
Roteiro: José Miguel, Soila Mar, Cristina Ribas, Tina
Edição: Valentina Rodrigues